23/09/2020

♪ OBITUÁRIO – Para dimensionar corretamente a grande importância de Gerson King Combo na música brasileira, é preciso relacionar o aparecimento do artista ao inflamado momento social e político dos Estados Unidos na segunda metade da década de 1960.

Naquela época, a luta contra o racismo ganhou as ruas dos EUA e gerou movimento pautado pelo orgulho negro em que a trilha sonora era o soul e o funk. É nesse contexto que o cantor norte-americano James Brown (1933 – 2006) virou espécie de líder musical do movimento.

A voz e o funk de Brown ecoaram nos corações e mentes de jovens do mundo todo. No Brasil, Gerson Rodrigues Côrtes (28 de novembro de 1943 – 22 de setembro de 2020) era um jovem carioca de 20 e poucos anos que, como muitos brasileiros da mesma geração, fez a cabeça ao som de Brown. Mal sabia esse jovem que, nos anos 1970, ele seria um dos reis do movimento Black Rio, um tradutor da ideologia de Brown para a linguagem da música do Brasil.

Gerson chegou a conviver brevemente com o universo da Jovem Guarda por ser irmão de Getúlio Côrtes, autor de Negro gato (1965), hit black do movimento pop, mas encontrou a própria turma por volta de 1969. Nesse ano, a música brasileira entrava em ebulição com a efervescência soul e funk que propiciou o aparecimento de ídolos negros como Tim Maia (1942 – 1998) a partir de 1970.

Gerson surgiu nessa fervilhante cena black brasileira em que também estavam o pianista Dom Salvador, o compositor Cassiano (gênio do grupo Os Diagonais), Tony Tornado e o músico e maestro Erlon Chaves (1933 – 1974), de cuja banda Gerson chegou a fazer parte. Anos depois, ele viraria Gerson King Combo em referência à banda norte-americana King Curtis Combo, do saxofonista norte-americano de soul King Curtis (1934 – 2018).

A morte de Gerson King Combo – na noite de terça-feira, 22 de setembro, aos 76 anos, na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), em decorrência de infecção generalizada e complicações de diabetes – cala uma voz que se levantou para bradar, em alto e bom som, nos anos 1970 que, sim, vidas negras importam. E que black is beautiful e que a música negra importa, até porque ela é a base da música do mundo.

Combo foi um rei do subúrbio carioca. Encarnou como toda a propriedade o “James Brown brasileiro” aos olhos e ouvidos de uma juventude carioca que, enfim, encontrava a própria identidade negra na vida e na música, dançando e suando ao som black dos bailes da pesada.

Gerson King Combo deixa obra influenciada pela música do cantor norte-americano James Brown — Foto: Divulgação

King Combo foi rei numa dinastia pautada pela coletividade. Tanto que o primeiro álbum do artista, Brazilian soul, foi lançado em 1970 e saiu creditado a Gerson Combo e a Turma do Soul. Nesse disco, o cantor imprimiu a alma do soul e do funk em sambas e em músicas nordestinas, em seleção de sucessos alheios, no embalo da explosão de Tim Maia.